AS PERGUNTAS QUE NÃO SÃO RESPONDIDAS !!!!

Autor(a): Maria D´Assunção Costa
Data: 08/08/2007
Texto: O Estado confundido com o Governo

Os acontecimentos dos últimos anos evidenciam que o Brasil e os brasileiros, sejam eles governantes ou governados, têm a necessidade de distinguir as atribuições constitucionais e legais distintas para o Estado e o Governo Brasileiros.

O Estado e o Governo Brasileiro fundamentam-se na Constituição Federal elaborada por um Poder Constituinte legítimo e nas Leis aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Poder Executivo. Assim, neste cenário não há espaço institucional para vontades pessoais dos governantes. Há que reforçar o “dever” que cabe a todos eles que é o de cumprir a Constituição e as Leis.

Esta moldura exige que as normas jurídicas sejam cumpridas por todos em absoluto atendimento ao princípio da legalidade, obrigatório para entes públicos e privados. Este princípio basilar do Estado Democrático de Direito determina que toda a Administração Pública esteja submetida a este princípio de forma indissociável.

Assim, ao Presidente da República cabe o “dever” de exercer os comandos da Administração superior, conforme o Art. 84 da Constituição Federal e, ao Congresso Nacional, especialmente, ao Senado Federal realizar a argüição dos indicados para cargos públicos nos termos da Lei. Apenas, com base nestes comandos constitucionais infere-se que antes da vontade pessoal do Governo há que se cumprir a vontade constitucional e legal expressa no regime jurídico nacional.

Para o caso que ora se discute, depois do acidente ocorrido em Congonhas, se atesta que:
a) cabe ao Presidente da República a nomeação dos cargos na forma da lei,
b) cabe ao Senado Federal realizar a argüição dos indicados na exata medida dos princípios constitucionais e
c) só depois dessa aprovação o Chefe do Executivo assina o decreto de nomeação.

Esta conjugação e integração de atos do Executivo e do Legislativo são atos interdependentes e seqüenciais, o que atribui a cada um dos Poderes uma parcela de responsabilidade inarredável sobre essas decisões. Assim, ninguém se olvide quando se questionam as indicações dos dirigentes das Agências Reguladoras de que os dois Poderes têm o mesmo ônus e o mesmo encargo dessa nomeação. A legislação determina que esses dirigentes sejam profissionais renomados na sua área de atuação, seja pelos princípios basilares da Administração Pública, ou seja pelas leis de criação de cada uma das Agências Reguladoras.

Com este pequeno comentário se pode concluir que esses dirigentes só assumem os seus cargos porque há uma convergência de decisões entre o Executivo e o Legislativo. Há também que lembrar a tarefa fiscalizatória do Legislativo pode ser exercida a qualquer momento o que, infelizmente, não se presencia. Nota-se que este proceder é muito distante do que a Constituição Federal indica e permite, ocasionando, assim, um grave prejuízo à democracia.

Ademais, ainda vale mencionar a existência constitucional do Tribunal de Contas da União que como ente público deve atender também aos princípios da legalidade, moralidade, economicidade, eficiência e celeridade. Vê-se que, quando este órgão de controle decide os fatos, em muitas oportunidades são irreversíveis. Olvida-se ele de atuar (como seria mais recomendável) de forma preventiva para evitar os danos que atitudes ilegais ou inconstitucionais dos governantes possam acarretar a todos os brasileiros e aos cofres públicos.

Voltando ao princípio constitucional da legalidade confirma-se que as Agências Reguladoras têm, por força de lei, orçamentos próprios originários das taxas pagas pelos usuários e, que em nenhum momento oneram o Tesouro. Ao contrário, o Tesouro se vale desses recursos e de forma transversa, “contigencia” verbas que são delas por Direito. Por isso, os maiores descumpridores da Legalidade são os Poderes Legislativo e Executivo. O primeiro porque não atua na forma determinada pela Constituição Federal e o segundo porque de forma abusiva, inconstitucional e ilegal se apropria (contigencia) de verbas que não lhe pertencem sem dar a esses recursos a finalidade legal para a qual foi criada.

Sabe-se que ainda estamos na formação dessa jovem democracia brasileira, mas também sabemos que ela se sedimenta e amadurece no estrito cumprimento da Constituição e das Leis. Quem examina este quadro “horrendo e lastimável” que estamos vivendo, certamente, conclui que a vontade pessoal dos governantes se sobrepôs às determinações do Estado, inclusive com o uso do pronome pessoal “eu” e não com referência ao “Estado Brasileiro”.

Há que se restabelecer a ética de todos os servidores públicos, os eleitos, os indicados e os concursados para que se valorize o Estado Brasileiro e, com isso, os Governos passem a obedecer, como nós, cidadãos comuns, ao sistema jurídico nacional desapegando-se dessas práticas totalitárias que remontam, infelizmente, ao Século XIX.

Recordemos que a responsabilidade origina-se da ação e da omissão. Deixar de fazer, deixar de saber, deixar de atuar não é atenuante para ninguém. Ao contrário é agravante porque “ninguém se escusa de cumprir as leis” e, durante a posse todos eles juraram cumprir a Constituição e as Leis.

Nos dias que se seguem é fácil arrumar culpados sem que nos detenhamos na origem da culpabilidade. Desde o início deste Governo há uma forte campanha difamatória contra as Agências Reguladoras. Esta campanha, que também pode ser denominada “captura tupiniquim”, caracteriza-se pela arquitetura de várias ações que impediram e impedem esses entes regulatórios de exercer, na forma da Lei, as suas atribuições.

A primeira medida difamatória, foi e é insistir que elas realizam políticas públicas quando essa tarefa é do Chefe do Executivo e dos seus Ministros e que, por ineficiência, não as planeja ou elabora. A segunda foi e é por lhe “surrupiar” as verbas legais pagas pelos usuários dos serviços por ela regulados. A terceira, foi e é pelo abandono administrativo, em que se empenhou o Governo, incluindo a ausência de nomeação dos Diretores, deixando as Agências Reguladoras acéfalas e vulneráveis. Assim, segue-se a cadeia “inexorável” de que: i) nas Agências Reguladoras fracas o Governo manda, e ii) quanto mais fracas mais ele pode se aliar ou beneficiar (de forma indireta) dos agentes econômicos para enfraquecê-las. Neste cipoal de acusações não há interesse governamental que elas sejam atuantes e bem administradas porque de há muito foram capturadas pelo Governo como uma forma inovadora de “captura tupiniquim”.

Convém lembrar que, embora hoje se discuta muito o termo “regulação”, ele não é novo no nosso Direito porque já foi utilizado, para descrever as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo – CNP, através do Decreto Federal nº 395, de 1938. Portanto, torna-se imperioso destacar o dever regulamentador atribuído ao Chefe do Poder Executivo e o dever regulatório atribuído às Agências Reguladoras, na forma da sua lei de criação.

Por tudo que se expôs acima, facilmente, se depreende que o maior descumpridor da legislação pátria é o próprio Governo que atua no sentido de desconhecer as instituições do Estado Brasileiro e por isso se apropria indevida e abusivamente do poder que pertence à sociedade e se descuida de atender aos deveres que a Lei lhe prescreve.

Há que se retomar o Estado Democrático de Direito prevalecendo o Estado Constitucional Brasileiro em todos os seus princípios e normas.

Maria D´Assunção Costa
Autora do livro: As Agências Reguladoras e o Direito Brasileiro, Editora Atlas.